domingo, 15 de maio de 2011

O todo pela parte: reflexões sobre o estigma

“Assim deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é  um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande; algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem e constitui uma discrepância entre a identidade social real e a virtual” (Goffman 1988, p.12).

Quando pensamos em uma pessoa estigmatizada estamos falando de um ser que, por algum motivo, é visto em sua plenitude apenas por algum traço que pode ser físico ou não. Segundo Goffman, estigma é a situação de um indivíduo que não está apto para ser aceito pela sociedade. Se o sujeito possui alguma característica que chama a atenção impondo-se a quaisquer outras características desse mesmo sujeito e isso destrói a possibilidade de enxergarem outros atributos, dizemos que esse sujeito vive uma situação de estigmatizado. Na verdade, o sujeito só estará estigmatizado se não for aceito socialmente em função de uma característica qualquer.

Imaginemos a situação de uma professora que recebe um aluno com NEEs sem ser previamente avisada. Isso faz com que ela receba esse aluno sem formular conceitos prévios. Supondo que esse aluno não carregue um traço visível de que é aluno com NEEs, (por exemplo: epilepsia) a professora vai trabalhar normalmente com esse aluno e, aos poucos vai conhecendo esse aluno e os atributos específicos daquele aluno. Supondo que após alguns meses esse aluno tenha uma crise, essa professora, que já conhece esse aluno, já sabe de suas potencialidades, de sua inteligência, vai descobrir suas NEEs sem estigmatizá-lo. Nesse caso, trata-se de um estigmatizado desacreditável.

Em sentido oposto, se o aluno trouxer um atributo visível de que é aluno com NEEs, (por exemplo: deficiência motora) é possível que o olhar da professora leve em consideração esse atributo, limitando o sujeito ao que ele traz de atributo visível e, deixando de estimular esse aluno a superar seus limites por, ela, considerá-los intransponíveis. Aqui, o quadro é de um estigmatizado desacreditado.

Nossa tendência é a de inferir que uma dificuldade visível carregue consigo uma série de outras. “Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir de uma imperfeição original” Goffman, idem. Um grande exemplo disso é quando explicamos o comportamento inadequado de um aluno em virtude de suas NEEs. – ‘Ele grita na aula porque tem epilepsia!’ Como se o comportamento inadequado fosse do justificado por aquela característica. Como se as crianças sem essa característica não tivessem aquele comportamento nunca.

Uma pessoa estigmatizada se sente em evidência o tempo todo. Ela nunca sabe como o outro vai interpretá-la e como reagirá. Em alguns casos, um ato insignificante pode ser supervalorizado por ser oriundo de uma pessoa com aquela característica específica. Ou, ao contrário, qualquer erro, qualquer falha, perfeitamente comum, pode servir como elemento confirmador do estigma.

É comum as pessoas optarem por segregar a criança com NEEs acreditando que assim estarão protegendo-a do estigma. Familiares fazem isso com muita frequência por acharem que a criança estará protegida quando estiver entre “iguais”. Ao contrário, as experiências de convívio com os ditos normais aumentam seu repertório de situações vividas e ajuda na resolução de problemas e no enfrentamento de situações constrangedoras. Quando mais cedo ela experimentar conviver com pessoas sem deficiências, sem NEEs, mais ela vai ampliar seu repertório para sair das situações estigmatizantes. A segregação é justificada historicamente em virtude desses estigmas.


Faz-se importante pensarmos na maneira de trabalhar com alunos que já incorporaram uma série de estigmas e que são, dessa forma, marcados negativamente no ambiente social.
Como os professores e a equipe escolar atualmente entendem esta questão?

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A relação entre professor e aluno

A sala de aula é um espaço privilegiado em termos de relações humanas, tanto em relação a possibilidades produtivas quanto a possibilidades destrutivas. Com relação a experiências destrutivas de relações em sala de aula, vemos constantemente notícias que corroboram essa impressão. Infelizmente boas experiências não têm a mesma repercussão midiática.

O filósofo Alfonso López Quintás realizou um estudo com palavras de uso cotidiano procurando conceituá-las. Um simples aperto de mão pode ser visto como uma ‘experiência bidirecional’, em que o gesto simboliza a intenção de união por algum objetivo em comum, sem, no entanto que se ponham em risco as individualidades. Não há relação humana autêntica se não houver uma relação bidirecional. Isso acontece em todas as relações humanas.

O termo ‘encontro’, para o filósofo, requer uma definição mais ampla do que a simples aproximação física a que normalmente nos remete, passa a ter a dimensão de ‘encontro verdadeiro’. Um terceiro conceito estudado pelo filósofo possibilita uma melhor compreensão do que é ‘encontro’: o ‘âmbito’, que vem a ser a transformação de algo que, sem esse ‘encontro’ verdadeiro, seria apenas um objeto. Um bom exemplo seria um livro utilizado como apoio ou base para se por algo em cima. Se o livro não é lido, é apenas um objeto, no entanto, quando alguém estabelece um diálogo com esse “objeto”, há aqui a transformação do objeto em um ‘âmbito’. Nesse caso, o livro não ganha dimensão humana, não deixa de ser um objeto, mas, ao mesmo tempo, possibilita uma experiência bidirecional. Afinal, você age sobre o livro, mas o livro também age sobre você.

O ser humano é um ser “ambital” por excelência. Quanto mais ‘âmbitos’ eu produzir mais criativo eu serei. Isso pode ocorrer tanto entre ser humano e objeto, quanto entre seres humanos. O professor deve estabelecer sempre relações ambitais em sala de aula e essas relações podem ocorrer do professor para o objeto de estudo e do professor para o aluno e, deve também, ser um catalisador para que o aluno estabeleça relações ambitais com os objetos de estudo e entre si. A própria sala de aula vazia é apenas um espaço vazio. Na verdade, só faz sentido falarmos em sala de aula se nesse espaço houver uma relação professor – aluno – objeto de conhecimento.

O âmbito pode ser comparado a um jogo, em que há um rejuvenescimento, na medida em que há uma relação criativa e de autotransformação, o que é da natureza humana. A relação em sala de aula pode ser concretizada com essa disposição de se trabalhar esse encontro verdadeiro, estabelecendo relações ambitais, em que o respeito mútuo, o diálogo, a gentileza, os valores humanos se fazem presente estimulando e energizando as pessoas.
A partir da compreensão desses conceitos estudados por Quintás, podemos criar novos modos de se relacionar com as pessoas e com os objetos. Essas possibilidades podem vir de encontro a todas as demandas vividas pelo professor em sua relação com os alunos em sala de aula, com os objetos de estudo do professor (o que inclui a reflexão sobre seu próprio modus operandi), com os alunos e com os objetos de estudo dos alunos.