Três conceitos que estão intimamente ligados ao tema de sentimentos e afetos como tema transversal são:
· Valores – Um conceito clássico de valores, elaborado por Jean Piaget, diz respeito a trocas afetivas que o sujeito troca com o ambiente. Os valores surgem da projeção de sentimentos positivos do sujeito sobre o mundo e sobre si mesmo.
· Autoestima – A autoestima é fundamental para o exercício da cidadania. É essencial para a busca da felicidade e da realização pessoal. Autoestima é fruto da autoimagem que o sujeito possui.
· Autoconhecimento – É um processo de regulação da percepção que o sujeito tem de si mesmo. É curioso que se proponha a autonomia no ambiente escolar sem que se aborde o exercício do autoconhecimento.
É importante frisar que a inserção de sentimentos e afetos na escola, não requer uma abordagem psicológica ou psicanalítica. A idéia é inserir sentimentos e afetos como conteúdo escolar, como objeto de conhecimento, de ensino e aprendizagem.
Em uma experiência significativa, uma professora começou discutindo experiências de sentimentos com as crianças. Em outro momento, as crianças desenhavam o contorno de seus corpos em um papel Craft – uma criança deitava e outra a contornava – para depois inserir os sentimentos em determinados locais do corpo, escolhendo livremente onde colocar cada sentimento.
Em um exemplo, as crianças colocaram a alegria, a tristeza e a vergonha no rosto. O amor no coração. A raiva e o ódio nas mãos. O medo nas pernas. As crianças tinham que, em seguida, explicar suas escolhas: A vergonha é no rosto, por que, quando estamos com vergonha, ficamos vermelhos. A raiva e o ódio ficam nas mãos por que quando a gente está com raiva a gente bate nas coisas.
Essa atividade serviu para desencadear debates em que se promovia a reflexão sobre outras possibilidades: não seria possível manifestar outros sentimentos com as mãos?
Em outra atividade com o mesmo grupo foi pedido às crianças que comentassem determinados sentimentos individualmente. Cada criança produziu um texto onde delineava o que despertava em si determinados sentimentos. A partir do momento que as crianças foram socializando suas produções, pode-se perceber que lhes surpreendia o fato de colegas reagirem de forma diferente em situações semelhantes. Uma criança ficava preocupada quando perdia uma aula, enquanto outra afirmou ficar feliz.
Reconhecer o que o outro gosta ou não é de fundamental importância para uma cultura do respeito às diferenças. Atividades como esta são importantes a partir do momento que proporciona às crianças a reflexão sobre como cada um pode reagir diferentemente a estímulos iguais ou, ainda, reagir da mesma maneira a estímulos diferentes.
Em outro momento, a professora elegeu trabalhar especificamente o sentimento da tristeza. Conversou com as crianças sobre o tema da aula e ouviu delas experiências relacionadas ao sentimento da tristeza. Depois disso, propôs que as crianças dividissem uma folha A4 ao meio e colocassem do lado esquerdo, uma pessoa triste e, do lado direito, a explicação pelo qual aquela pessoa está triste. Um adendo importante é que não deveriam falar de si mesmo, apesar de sabermos que seria bem provável que fizessem uma projeção de suas próprias experiências.
Uma criança desenhou uma pessoa triste e, ao lado, um diálogo em que uma enfermeira afirmava que essa pessoa estava com AIDS. A pessoa triste aparece novamente no segundo quadro, com bem menos cabelos e afirma saber agora, por que seus cabelos estavam caindo. Essa criança trouxe uma experiência familiar com uma tia. Todas as crianças da sala fizeram esse exercício, cada um trazendo uma experiência para trocar com a sala.
Na sequência, a professora propôs que cada criança oferecesse 4 formas de amenizar, cada um, a tristeza do protagonista de sua atividade. É fundamental frisar que essa parte da atividade se justifica pelo fato de estar inserida num contexto de educação para a cidadania e, portanto, a busca incessante pela solução de conflitos, de resolução de problemas.
No caso específico da pessoa que estava triste por estar com AIDS e com os cabelos em queda a criança propõe: “fazer ela feliz”, e desenhou um palhaço, com a clara função de animá-la. A segunda proposta foi: “Falar uma palavra amiga para ela”, e uma pessoa falando: “- Não fique triste, eu vou te dar todo o apoio do mundo”. Terceira forma: “Dar tudo o que ela pedir”. Quarta forma: “Arrumar um namorado para ela”. Em todas as propostas, vê-se uma ligação direta com o problema relatado.
Em outro relato, uma criança desenhou uma mulher chorando e, na explicação, ela relata que essa mulher mostrou a barriga ao marido e este, começa a rir e fala que o filho não é dele. Apesar de não estar informado no desenho, sabe-se que a criança estava vivenciando essa situação em casa. Tratava-se do padrasto e da mãe.
Na sequência do exercício, ela desenha, não formas de amenizar a tristeza da mãe, mas apenas a sequência natural dos fatos: A mãe tendo o bebê, voltando para casa, passeando com o bebê, primeiro no carrinho e, no último quadro, com uma legenda: “3 anos depois”, passeando com a criança já crescida. O que é bastante significativo é que, sendo o problema causador da tristeza, a ausência do pai, nota-se que o problema persiste, o que deu margem para se trabalhar com as crianças os direitos universais do homem, o direito de toda criança de ter um pai e ser reconhecida por um pai.
O fato de se relacionar situações do cotidiano das crianças é importantíssimo nesse trabalho, além disso, os sentimentos e afetos, trabalhados nessa sequência, não estão apenas no nível das relações interpessoais, são trabalhados como objeto de conhecimento, como objeto de aprendizagem.
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