segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A dimensão afetiva na construção de valores

Piaget, em artigo publicado em 1953, estabelece relações entre o  desenvolvimento da inteligência e a afetividade, colocando, num primeiro momento, a afetividade como o combustível, como um aspecto motivacional, para o desenvolvimento da cognição. Para Piaget, a afetividade não tinha o poder de modificar as estruturas cognitivas, seria apenas um elemento de estímulo, secundário, e não estrutural.

Este artigo impulsionou uma série de novos estudos sobre o tema e, influenciado por ele, um autor espanhol, Mario Carretero, escreve que “tanto a cognição quanto a afetividade têm motor e combustível”. Equiparando essas duas dimensões em nível de igualdade. A afetividade passa a ser, então, vista como um dos aspectos organizativos do psiquismo.

 A professora Valéria Arantes realizou uma pesquisa criando a seguinte situação: em uma atividade com educadores, propôs um conflito moral em que uma professora encontra um aluno fumando maconha no banheiro. Antes de apresentar essa situação, a coordenadora da pesquisa dividiu os pesquisados em três grupos, para, em seguida, induzir o primeiro grupo a ter sentimentos ‘bons’, o segundo, a ter sentimentos ‘negativos ou  ruins’ e o terceiro não sofreu indução sentimental.

Analisando as respostas, pôde-se constatar que o grupo estimulado a ter sentimentos bons propôs uma postura ativa da professora e o segundo grupo propôs uma postura mais passiva, em que, a professora deveria fingir que não percebeu o problema ou que deveria passar o problema para outras instâncias.

Essa pesquisa comprova a importância da dimensão afetiva em sua relação coma dimensão cognitiva. A partir dessa constatação podemos perceber que a afetividade influencia diretamente a postura que tomamos em relação a qualquer situação.

A título de exemplo, podemos estudar os sentimentos Vergonha e Culpa. Como diferenciais, podemos colocar a vergonha como um sentimento que está intimamente relacionado à forma como o outro me vê, ou seja, sentimo-nos envergonhados quando somos vistos de uma forma que não gostaríamos, enquanto que a culpa está mais relacionada à auto-avaliação do sujeito, ou seja, sentimos culpa quando avaliamos ter feito algo que vai contra nossos valores. Por outro lado, quando estamos envergonhados, desejamos escapar da situação que nos deixa com esse sentimento, ao passo que a culpa nos faz desejar a confissão e o pedido de desculpas.

A despeito dessas diferenças, temos muitos aspectos comuns a esses dois sentimentos, que são muito importantes para os estudos da ética e dos valores. Ambos são sentimentos morais, ou seja, estão ligados à moralidade do sujeito. Ambos são sentimentos negativos, uma vez que as pessoas não gostam de se sentir assim. São, além disso, atribuições internas, que permeiam o mundo interior dos sujeitos, mas, ao mesmo tempo são vividas nas relações interpessoais e, por fim, ambos atuam como reguladores dos valores morais.

Em muitos estudos sobre a moralidade esses sentimentos surgem como tema devido a sua importância na regulação dos valores morais. Pensemos, por exemplo, em um sujeito que não consegue permanecer em um quarto escuro e que, ao sair de lá, sente-se envergonhado. Podemos concluir que, para ele, o valor Coragem é central e, que, a vergonha é o que demonstra que ele agiu contra esse princípio contra esse valor. Nesse caso a vergonha é de si mesmo pois, mesmo que ninguém o tenha visto nessa situação, ele sabe. E como não cabe aqui um pedido de desculpas, não se pode falar que ele se sentiu culpado.

A professora Viviane Pinheiro realizou uma pesquisa com estudantes de escolas públicas e particulares acerca dos sentimentos de culpa e vergonha com relação a conflitos morais. A professora apresentou a seguinte situação: um aluno está mal em uma dada disciplina e, no final do ano ele está prestes a ser retido. Ele pede ajuda a um colega e este se recusa a ajudá-lo.

Em seguida, a pesquisadora organizou as respostas em categorias onde surgem ou não os sentimentos de culpa e/ou vergonha e em que se avalia o valor Generosidade. O primeiro grupo não envolveu sentimentos de culpa/vergonha e nem aparece  o valor generosidade, pois em todas as falas, a pessoa questionada não ajudaria o amigo e não se sentiria culpada por isso. O segundo grupo, ao contrário, envolveu os sentimentos de culpa/vergonha por ter ido contra o valor Generosidade.

Estudos como este mostram que os sentimentos devem ser objeto de estudo se quisermos uma educação de valores. Não podemos negar a importância de se trabalhar esses temas em sala de aula, até para que nossos alunos possam reconhecê-los e refletir sobre eles.

É muito comum a escola minimizar os vínculos de amizade entre os alunos e, graças a estudos como esse, sabemos que isso tende a prejudicar o ambiente escolar como um todo e, principalmente, no trabalho com valores. É necessário que se estimule a “tolerância”* e o respeito à diversidade, incluindo-se aqui, a diversidade de respostas aos conflitos morais, uma vez que cada sujeito está formando seus valores de acordo com as situações vividas, dentre outros, no ambiente escolar. Por fim, é necessário que se estimule um ambiente feliz, em que os sentimentos positivos sejam estimulados, levando, assim, à resolução harmoniosa dos conflitos morais para um mundo mais justo e solidário.



* O termo tolerância, está entre aspas por eu, Monahyr Campos, ser cauteloso com relação ao seu uso nesse contexto. Segundo o dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, Tolerância, sf, significa “ato ou efeito de tolerar; indulgência, condescendência”.

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