quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Intervindo nas dificuldades de aprendizado através da música

Material didático composto para complementação pedagógica e palestras
Monahyr Campos - OMB 52143 - Músico, Compositor e Intérprete
Professor universitário c especialização em musicalização infantil;
Pós-graduado em Ética, Valores e Saúde na Escola;
Mestrado em Análise do Discurso e diversos cursos de extensão na 
área de neurociências, psicopedagogia e educação inclusiva.


           
        "A primeira e mais geral definição obtida sobre o significado desse conceito veio da constatação de que no mundo existem duas “coisas”: as naturais e as artificiais. As “coisas” naturais são aquelas cuja existência não depende de uma intervenção do homem, elas pré-existem ao homem, isto é, não foram criadas ou produzidas por ele. Às “coisas” artificiais ou às criaturas do homem dá-se o nome de cultura. (...) A educação é uma tarefa especificamente humana: só os homens educam seus semelhantes. Quem não entende a diferença entre o humano e o animal não está preparado para educar o homem e nem compreende a barbárie contemporânea. Confundir o homem com o animal tem conseqüências drásticas: uma delas é confundir educação com adestramento e a outra é eliminar da educação o seu caráter de emancipação, reduzindo-a apenas à adaptação." José Geraldo Pedrosa[1]

           
         Estudaremos a seguir, alguns temas pertinentes ao exercício pedagógico de inserção da música no cotidiano do educador.
            Cada educador é único e cada um viveu as mais diversas experiências em sua vida. As informações aqui explanadas, tem como grande objetivo, somar-se ao que cada um traz como bagagem intelectual, para, juntos, construirmos ambientes de trabalho mais prazerosos e produtivos.
            Lembrem-se: Ninguém substitui o educador. No entanto, o educador não é infalível e não é perfeito. Façamos de nossas imperfeições nosso material mais valioso. Creio que todos concordam que errar é humano, logo, tudo aquilo que nos mostra nossos defeitos, nos torna mais humanos. E é o que nos permite crescer e aprender.
            Bons estudos!
Ass. Monahyr Campos


1 - O papel do professor

"O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida" (PCN: arte/ MEC, página 21).

            Introdução:
            Às vezes, nossa dedicação e entrega ao ato de ensinar nos faz esquecer que a criança desenvolve muitas de suas habilidades simplesmente explorando o mundo à sua volta.
            O modo como conduzimos uma atividade qualquer pode levar a muitos resultados distintos. Ao identificar qualquer dificuldade em nossos alunos, tendemos a nos entregar de corpo e alma à tarefa de ajudá-los e, muitas vezes, interferimos nos processos deliberadamente, o que pode limitar os resultados.
           
            A criança aprende brincando:
            Há poucos anos, uns trinta, eu diria, era comum ouvir os pais afirmarem que brincar era perda de tempo. Na verdade, essa idéia ainda persiste em muitas pessoas. O ser humano existe há aproximadamente 200.000 anos. E o ensino, como nós conhecemos, há pouco mais de 4.000. Antes disso, as crianças aprendiam brincando entre si, imitando os adultos e criando seus brinquedos.

            Ver o mundo com olhos de criança:
            Para uma criança, tudo é novidade. Isso permite que ela explore as situações sem medo, sem bloqueios. Essa característica é fundamental no processo de aprendizado. Se o educador compreende essa especificidade e a insere em seu cotidiano, automaticamente seu trabalho se torna mais fluido e mais criativo. Isso atrai as crianças.

            Questões de método:
            Todos sabemos que não há fórmulas mágicas. O que o melhor dos especialistas pode fazer é dar sugestões. Eu sempre sugiro que haja um diálogo entre as partes. As crianças sempre têm muito a ensinar. E o melhor educador é sempre aquele que facilita o processo. Exercite sua habilidade de formular perguntas. E deixe seus anjinhos formularem as respostas.

            A criança entende?
            Essa é a grande pergunta que todo educador é estimulado a se fazer constantemente. Qual a idade ideal para se ensinar algo? Em termos de arte, acredito que a questão é mais simples: não devemos questionar se ela entendeu, questionemos como ela entendeu. Provavelmente nos surpreenderemos com as respostas. O grande desafio não é o que mostrar à criança e sim, como mostrar. Descubra um modo apropriado de abordar o tema e prepare-se para boas surpresas.
            Coloque uma música instrumental para os jovens ouvir atentamente. Depois converse com eles, de forma que eles expressem o que imaginam que o autor queria transmitir. Explore de tal forma que haja múltiplas interpretações possíveis.

            Música é movimento:
            Peça a alguém para tocar ou cantar uma música sem se mover. Chegará à inevitável conclusão de que é impossível. Fazer ou ouvir música é uma boa hora para exercitar o corpo ou os ouvidos e a concentração.

2 - Ampliando o repertório
            Uma canção comunica muito mais do que as idéias contidas em sua letra:
            Sempre pergunto o que leva as pessoas a ouvirem canções em idiomas que não entendem. E, por outro lado, costumo avaliar como boas as canções cujo instrumental acrescenta significado à letra.

       Seleção de repertório:
            Se levarmos em consideração o que vimos até aqui, veremos que cada educador pode, tranqüilamente, selecionar o repertório de acordo com sua turma ou com o perfil de seus alunos, ou ainda, de acordo com temas interdisciplinares que se complementarão ao longo dos encontros. Eu acredito muito na diversidade. Mesmo não gostando de um determinado ritmo musical, de um cantor ou de um grupo, não podemos impedir a criança de formar seu próprio juízo sobre a obra.

       Sobre o mau-gosto:
            Vivemos tempos difíceis. A arte sempre foi o meio de expressão mais sublime do ser humano mas, agora, é tratada por muitos apenas como mais uma mercadoria. Temos de tudo pra todos os gostos. Quanto à música, mais especificamente, eu proponho uma separação simples: Separemos aquilo que é nocivo às crianças - o que ensina coisas impróprias ou que destrói os valores que considerarmos essenciais ao ser humano. Quanto à qualidade da música ou da letra, só o acesso à diversidade pode habilitar uma pessoa a escolher bem.

            A respeito das datas especiais:
            Muitos professores de música ou de artes ficam presos às datas comemorativas. Trabalham o ano inteiro em função do Carnaval, depois, Páscoa, 13 de maio, Dia das mães, Festa junina etc. Acredito que, no ensino das artes, o mais importante é o processo. É importante mostrar os resultados de seu trabalho, mas se se trabalha em função de um objetivo específico, a caminhada fica desgastante e cansativa. Se for possível, mostre aos pais, no evento comemorativo, o que você vem trabalhando com as crianças. Mostre o processo e todos perceberão os resultados.

3 - Conceitos teóricos
            As sensações musicais:
            As artes, em geral, trabalham com regiões de nosso cérebro que desconhecemos, ou conhecemos pouco.  É comum vermos definições que afirmam que a arte comunica o indizível - aquilo que as palavras não conseguem dizer. Pois bem: não tentemos encarcerar uma canção, uma música instrumental ou uma pintura abstrata, assegurando que ela diz isto ou aquilo.  A mesma pessoa, em diferentes momentos da vida, ouvirá uma mesma canção e experimentará sensações diversas. Deixe os artistas brincarem com sua imaginação. Estimule a imaginação dos pequenos.

            Teoria:
            Não é possível exigir que o professor tenha noções teóricas sobre música. Mas, já que estamos aqui, faremos uma pequena exposição de idéias:
            No mundo ocidental, a música surge de um matemático, Pitágoras, e não é à toa que isso acontece. De fato, as noções de matemática são excepcionalmente úteis no mundo da música e vice-versa.
            Música é, antes de tudo SOMA!
            Basta somarmos dois sons, ou dois ruídos, intencionalmente e, teremos um princípio de música.
            É possível afirmar que música é a soma de sons (ou ruídos) organizados.

            Alguns conceitos:
Melodia: A parte cantada das canções ou os solos são exemplos de melodia. Sempre que organizamos os sons (ou ruídos variados) em seqüência, um de cada vez, criamos uma sequência melódica.
Harmonia: O som do violão, suas várias cordas tocadas ao mesmo tempo ou as teclas do piano. Sempre que  organizamos os sons em bloco, vários de cada vez, formamos a harmonia de uma musica. 
Ritmo:  A sequência de batidas de uma escola de samba ou as palmas que acompanham determinadas cantigas formam seu ritmo. Sempre que organizamos os sons ou ruídos em ciclos regulares, repetindo-os.
            Essas palavras fazem parte de nosso cotidiano. São usadas o tempo todo por educadores. Muitas vezes, fora do campo de ação específico da música. Façamos o seguinte exercício:
            Busque em seu cotidiano, um exemplo do uso do conceito de ritmo.
            (...)
            Faça o mesmo com o conceito de harmonia.
            (...)
            Agora, com a idéia de melodia.
            (...)

·                      Proponho aqui, pensarmos na idéia de ritmo de aprendizagem. Todos aprendemos (na teoria) que devemos respeitar o ritmo de aprendizado de nossos alunos. Ritmo pressupõe regularidade. Repetição. Logo, se conhecemos profundamente nossos alunos, compreenderemos seus ciclos regulares de aprendizado, correto? Infelizmente não é tão simples. Fica aqui, um ponto para reflexão. O ser humano não mantém um ritmo regular nem em suas batidas do coração. Varia de acordo com vários fatores externos e internos.
·                     Façamos o mesmo com a  idéia de harmonia. Dizemos que um determinado ambiente está harmonioso quando está tudo calmo, não é mesmo? Um aluno que trabalha em harmonia com os colegas é aquele que respeita o seu semelhante e segue com dedicação as orientações do professor, ok? Harmonia pressupõe diversidade. Vários sons iguais, organizados em bloco não fazem uma estrutura harmônica: Criam, quando muito, uma base rítmica. Ou seja, quem procura harmonia não pode sonhar com uma classe ideal em que todos são alunos dedicados e respeitosos. Harmonia é fruto da soma das diferenças, diferenças convivendo em paz.
·                     E a idéia de melodia? Por qual motivo não é utilizada no cotidiano do educador? Poderíamos dizer que a seqüência de sons que compõem uma melodia pode ser comparada à seqüência de ações e episódios que compõe a vida de um ser humano (ou um aluno). Fica a pergunta: se conseguirmos, de fato, respeitar o ritmo de cada aluno, se esperamos que ele aprenda a conviver em harmonia com os colegas, o que falta para auxiliá-los a construir sua melodia, sua história pessoal?

4 - Parâmetros Curriculares
            O fazer musical
            A música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época. Atualmente, o desenvolvimento tecnológico aplicado às comunicações vem modificando consideravelmente as referências musicais das sociedades pela possibilidade de uma escuta simultânea de toda produção mundial por meio de discos, fitas, rádio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema, publicidade, etc.
            Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir espaço para o aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de apreciação e produção. A diversidade permite ao aluno a construção de hipóteses sobre o lugar de cada obra no patrimônio musical da humanidade, aprimorando sua condição de avaliar a qualidade das próprias produções e as dos outros.

Composições, improvisações e interpretações são os produtos da música.
            O processo de criação de uma composição é conduzido pela intenção do compositor a partir de um projeto musical. Entre os sons da voz, do meio ambiente, de instrumentos conhecidos, de outros materiais sonoros ou obtidos eletronicamente, o compositor pode escolher um deles, considerar seus parâmetros básicos (duração, altura, timbre e intensidade), juntá-lo com outros sons e silêncios construindo elementos de várias outras naturezas e organizar tudo de maneira a constituir uma sintaxe.
Ele pode também compor música pela combinação com outras linguagens, como acontece na canção, na trilha sonora para cinema ou para jogos eletrônicos, no  jingle para publicidade, na música para dança e nas músicas destinadas a rituais ou celebrações. Nesse tipo de produção o compositor considera os limites que a outra linguagem estabelece.
            Uma vez que a música tem expressão por meio dos sons, uma obra que ainda não tenha sido interpretada só existe como música na mente do compositor que a concebeu. O momento da interpretação é aquele em que o projeto ou a partitura se tornam música viva. As interpretações são importantes na aprendizagem, pois tanto o contato direto com elas quanto a sua utilização como modelo são maneiras de o aluno construir conhecimento em música. Além disso, as interpretações estabelecem os contextos onde os elementos da linguagem musical ganham significado.
            As improvisações situam-se entre as composições e as interpretações. São momentos de composição coincidindo com momentos de interpretação. Na aprendizagem, as atividades de improvisação devem ocorrer em propostas bem estruturadas para que a liberdade de criação possa ser alcançada pela consciência dos limites.
            Um olhar para toda a produção de música do mundo revela a existência de inúmeros processos e sistemas de composição ou improvisação e todos eles têm sua importância em função das atividades na sala de aula.[2]

            É possível compor com as crianças?
            Justamente por ter um olhar diferente sobre o mundo, a criança tende a criar o tempo todo. E essa é a brincadeira mais mágica! Experimente pedir às crianças, que criem uma música. Pensem num tema gerador e as auxilie. Faça-os brincar de compositores. Peça que imaginem como determinada canção foi criada. Questione se a pessoa criou em cinco minutos, ou se precisou insistir, refazer, recomeçar etc.
            Ajude-os a decidir o que querem falar. Depois, explore as possibilidades: como vamos falar sobre este tema? Peça sugestões: o que você sugere, agora? Uma vez criada uma letra, ou o esboço de uma, peça sugestões de como ela seria cantada. Parte por parte. Tente desestimular que cantem a letra em cima de qualquer melodia famosa: a idéia é que eles percebam que podem criar. Leve um gravador e grave ao término da aula, para que possam dar continuidade caso não consigam fazer na hora.
            Lembre-se: Você não precisa ter conhecimentos musicais para fazer uma música. Assim como não precisa ser pintor para fazer uma pintura. Se o resultado não for uma obra prima, lembre-se que, o mais importante é o fazer. Estariam todos aprendendo muito.

5 - Dificuldades de aprendizagem
            Palavras de Paulo Freire
            O professor afirma: "Sou tão melhor professor, então, quanto mais eficazmente consiga provocar o educando no sentido de que prepare ou refine sua curiosidade, que deve trabalhar com minha ajuda, com vistas a que produza sua inteligência do objeto ou do conteúdo de que falo" (FREIRE, 1996, p.118). Nesse sentido, o professor deve dar suporte ao aluno, com o intuito de levá-lo a superar as dificuldades. Tal afirmação opõe-se a postura da escola que diante das dificuldades dos alunos, atribui a culpa aos mesmos e aos pais. Ainda segundo Freire (1996): "[...] a boniteza da prática docente se compõe do anseio vivo do docente e dos discentes e de seu sonho ético". (p. 25)   Dessa forma, nota-se que no novo contexto educacional, o professor deve estar se capacitando para desenvolver uma prática efetiva, que permita aos alunos o desempenho das suas competências e habilidades.
            Muitas vezes, o professor espera um auxílio em seu dia-a-dia na escola que beira a intervenções médicas. Ao professor não cabe resolver os problemas cognitivos de seus alunos. A ele, cabe ajudar o aluno a superar as barreiras que essas dificuldades impõem em seu caminho.
            Quando dizemos que o aluno tem dificuldades, estamos afirmando que ele é capaz mas que a este aluno, as pedras no caminho parecem maiores, por um motivo qualquer. Saber qual é o motivo pode e deve ajudar na definição de estratégias. O que acontece é que, ao professor “comum”, o diagnóstico, geralmente paralisa.

6 - A importância da música na sala de aula:
            A importância da música e das artes na sala de aula
         Existem inúmeros estudos que relacionam a música a um melhor desempenho dos alunos. A simples presença de um aparelho tocando Mozart em sala de aula, segundo esses especialistas, estimula os neurônios, facilitando o aprendizado. Por outro lado, fala-se muito dos ganhos intelectuais, mas esquecem do principal: o prazer gerado pela música.
            “No compasso das batidas de um tambor ou dos sopros de um trompete, a diretora Marli Simacek, de 48 anos, com freqüência se surpreende ao ver a banda dos alunos da escola em ação. A surpresa maior não vem das notas musicais, e sim da mudança de comportamento à frente dos instrumentos.
            - É da água para o vinho. A gente até usa essa postura (na banda) para tentar mais disciplina dentro da classe - diz a diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Rodrigues Alves, no Tucuruvi, na zona norte da capital.
            Um estudo que se propôs a medir o impacto da música na educação de crianças aponta na mesma direção testemunhada pela diretora. E vai além: ecos de uma iniciação musical podem influenciar também no rendimento escolar.
            - Na periferia, violência e falta de comunicação dificultam o trabalho de professores e diretores. A música dá uma alternativa (de comunicação) a crianças arredias a qualquer ordem. Elas vão bater no tambor como as outras - diz Flavio Comim, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor do Pnud, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
            Comim fez um diagnóstico recente de núcleos musicais em escolas públicas de oito cidades brasileiras. O trabalho foi encomendado pela (nome da empresa), que formou oficinas de introdução à música nesses locais. Foram avaliadas 8 mil crianças. Metade participava do programa e a outra, não. O Índice de Qualidade da Educação construído por Comim comparou, nos dois grupos, o desenvolvimento cognitivo espacial, que ajuda em questões de lógica matemática; temporal, que auxilia alunos na compreensão de textos; e o relacionamento interpessoal dos alunos.”[3]

7 - Referências bibliográficas

Discografia:
Sai Preguiça (Maria Celeste da Silva) in Palavra Cantada - CANÇÕES DO BRASIL - O BRASIL CANTADO POR SUAS CRIANÇAS, Selo Palavra Cantada, CD/ 2001.
Escravos de Jó (Anônimo).
O Mundo (André Abujamra) in Karnak - KARNAK, Gravadora Tinitus, CD/1994.
A noite do meu bem (Dolores Duran)  in Décio Rocha - TALVEZ NÃO SEJA ASSIM, MCK Ind. Fonográfica, CD/1994.
As Baratas (Darcy da Serrinha) in Daúde - DAÚDE#2, Natasha Records, CD/1997
Saiba (Arnaldo Antunes) in “Saiba”, Arnaldo Antunes, Rosa Celeste/BMG, 2004

Bibliografia (livros):
FREGA, Ana Lucia (1997). Metodologia Comparada de la Educacion Musical. Buenos Aires: CIEM – Collegium Musicum.
SCHAFER, Murray R. (1997). A Afinação do Mundo.
São Paulo: UNESP.
COLWELL, Richard (Ed.) (1992), Handbook of Research on Music Teaching and Learning: A Project of the Music Educators National Conference. N.York: Schirmer Books. (Volumes I e 2)
SCHAFER, Murray R. (1992).
O Ouvido Pensante. São Paulo: UNESP.
PAYNTER, John & ASTON, Peter (1970).
Sound and Silence – Classroom Projects in Creative Music. Cambridge: Cambridge University Press.

Bibliografia (sites):
http://www.desabafodemae.com.br/home.php?acao=eventos&subact=oucamusica
http://tecaoficinademusica.com.br/
http://pedagogia-musical.blogspot.com/2008/01/importncia-do-jogo-na-aprendizagem.html
http://www.portalensinando.com.br/ensinando/principal/conteudo.asp?id=6107&pag=2
http://marianpmatos.googlepages.com/acurapelam%C3%BAsica ***
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722006000200006&lng=pt&nrm=iso



[1]    Extraído do sítio da internet:  http://ns.divinopolis.uemg.br/revista/revista-eletronica3/artigo5-3.htm em 02/02/2008
[2]    http://mecsrv04.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pcn1a4.asp
[3]                           In: http://www.abemusica.com.br/materias/materia.asp?id=3202

domingo, 17 de outubro de 2010

Pedagogia de projetos

A estratégia de projetos como trabalho pedagógico pressupõe o desejo de aprender do estudante, e o mais consistente, ou eficiente é exatamente aquele que vai além das abordagens tradicionais dos componentes curriculares. O professor Ulisses Araújo é pesquisador da estratégia de projetos.

No Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 3.0, o termo Projeto consta como: SM, desejo, intenção de fazer ou realizar (algo) no futuro; plano. A maioria das pessoas entende o termo plano como algo previamente definido e estático, que se planeja e executa. Na estratégia de projetos, o que se propõe é que o educador não seja um executor do plano, seja um estrategista, pois cabe a ele direcionar o andamento dos trabalhos de acordo com as situações e as reações dos estudantes.

Na Escola Comunitária de Campinas, a pedagogia de projetos é utilizada em todas as turmas. A turma do 5° ano desenvolve um projeto: Raízes culturais e a escravidão no Brasil. Os alunos no 9° ano viajaram para o litoral paulista, no projeto Baixada Santista. 

O professor Ricardo Pátaro, responsável pelos projetos, afirma que a partir da realização do trabalho, foram identificados preconceitos e discriminações que permeiam as relações entre os próprios alunos da classe. O projetos envolvem conteúdos de história, geografia, matemática e língua.

A estratégia de projetos está centrada em dois conceitos da pedagogia: a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, temas já discutidos em textos anteriores. A interdisciplinaridade surgiu como um chamado para se repensar a organização curricular, a partir da constatação que a realidade não é fragmentada. Não chega a pensar na possibilidade de mudança dos objetos de estudo das disciplinas, apenas na soma de esforços para a apreensão de fenômenos complexos. A transversalidade vem como reação à fragmentação disciplinar, pois há temas que atravessam todas as disciplinas. O tema de Valores, por exemplo, perpassa a todas as disciplinas, não cabe a um componente curricular específico.

Ao término do projeto, o professor organizou um debate entre os alunos da turma, que, dividida em dois blocos, defendiam ora os interesses e os argumentos dos portugueses, ora os africanos e seus argumentos.

O trabalho com a estratégia de projetos pode ser representado como um esquema, ou uma rede, onde se deve registrar todo o percurso do trabalho, desde os questionamentos dos alunos até os resultados obtidos, como, por exemplo, as relações entre o tema e as diversas disciplinas envolvidas.

À medida que o projeto vai se desenvolvendo novas questões que não estavam previstas e de elementos surgem e dão margem a novos alinhamentos para as investigações.

A turma do 9° ano desenvolveu o projeto Baixada Santista. Os alunos estudam de maneira conjunta os conteúdos de história, geografia e ciências. O professor Eduardo, educador ambiental, a professora Fátima, professora de história e equipe do projeto, o professor Adílson, de geografia e Eduardo, de ciências completam a equipe. Os alunos estudaram, in loco, a formação de Santos, sua ocupação, as condições naturais e os impactos ambientais.

Em depoimentos, os alunos afirmaram que é muito prazeroso estudar um conceito qualquer e, depois, poder vivenciá-lo, pondo em prática aquilo que foi aprendido em sala de aula.

Segundo o professor Ulisses, um bom projeto abre a perspectiva de desenvolvimento do aluno num âmbito que vai além dos componentes curriculares, pois os habilita a problematizar o mundo e buscar respostas a perguntas que ele têm e, principalmente, instigá-los a buscar possibilidades de intervenção como sujeitos capazes e dispostos a dar sua contribuição para um mundo melhor.

Prática em sala de aula - Construção da rede

Um projeto deve ser realizado percorrendo uma série de etapas. A primeira delas é a Escolha do tema transversal, denominado geralmente de grande tema. Como exemplo, pegamos um projeto realizado com crianças de 10 a 11 anos de idade, no ensino fundamental, cuja grande tema escolhido foi o artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que versa sobre o Direito à educação.

A segunda etapa a ser percorrida é a da Aproximação ao tema. No caso do projeto em questão o professor optou por levar imagens e informações a respeito da educação no Brasil. Informações sobre a exclusão e a demanda estudantil no Brasil. Questões sobre jovens em idade escolar que não estão em sala de aula e de pessoas que gostariam de voltar a estudar foram discutidas, o que possibilitou aos alunos fazer a escolha de uma temática mais específica, através de sugestões. Cabe ao professor auxiliar orientando sobre as possibilidades que cada temática específica pode trazer de descobertas e aprendizado.

A turma elencou 5 temas específicos, a saber: Crianças fora da escola no Brasil, Educação para a paz e respeito, Crianças que não têm escola perto de casa, Trabalho infantil e educação no Brasil e Dificuldades nas escolas públicas. Após um rigoroso debate escolheram o Trabalho infantil e a educação no Brasil.

Uma vez feita a escolha do tema específico, chegamos à quarta etapa que é a da elaboração da pergunta que deve ser respondida pelo projeto, o que as crianças gostariam de saber sobre o tema específico a partir de seu próprio interesse. Essas são as questões que as crianças querem investigar durante o projeto:

  • O que o governo e as pessoas podem fazer pra ajudar as pessoas que estão sem escola?
  • O que a polícia faz quando vê uma criança sendo explorada?
  • Por que existe exploração no trabalho de crianças? Por que elas trabalham em serviços pesados se quem tem que trabalhar são os pais?
A próxima etapa envolve o planejamento do professor e a construção da rede, tendo como eixo, o Direito à educação, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o tema específico do trabalho infantil e a educação no Brasil e as questões elencadas na etapa anterior. Cabe agora ao professor organizar ramificações que possibilitem trabalhar os conteúdos relativos aos componentes curriculares.

O professor desse trabalho escolheu questões de matemática, como solução de problemas, porcentagem e frações; de português, como o trabalho com textos, relatos, discurso direto, pontuação e ortografia e, também conteúdos relativos ao estudo de história e ciências. Segue-se então a etapa em que se busca as respostas as perguntas que estão no centro da rede. O professor propõe atividades e pesquisas que os auxiliam nessa busca com ajuda dos conteúdos elencados anteriormente.

É necessário que se faça, em seguida, o registro do percurso das atividades, sua conexão com as disciplinas curriculares, e entre essas e  a temática original do projeto.

Na rede ao lado, temos:
1 Tema específico – O direito à educação;
2 Perguntas – 4ª etapa;
3 Componentes curriculares – Matemática, português, história e ciências;
4 Conteúdos específicos – Pontuação e ortografia, frações, o corpo humano, origem das desigualdades no Brasil etc.
5 Conteúdos desenvolvidos apesar de não previstos pelo planejamento

Ao longo dos trabalhos, surgiu um conteúdo imprevisto, devido à manifestação de uma dúvida surgida de última hora, como frações, questões relativas à história do Brasil ou questões relativas ao desenvolvimento do corpo humano afetados pelo trabalho infantil.

A composição de um texto final, demonstrando todo o percurso e os resultados obtidos pelos alunos, deu margem a um sistemático trabalho em que se pode desenvolver conteúdos como pontuação, ortografia, a reescritura e outros. Além dos trabalhos iniciais de interpretação dos textos informativos, de onde foram retiradas as informações inicias para elaboração do projeto.

Etapas de um projeto, resumo:

1 – Escolha de tema amplo relacionado à formação em valores e à cidadania;
2 – Estudos iniciais para aproximação do tema;
3 – Escolha de temática mais específica para ser estudada;
4 – Elaboração, por parte dos alunos, de perguntas;
5 – Planejamento envolvendo os conteúdos curriculares, estratégias e metodologia;
6 – Investigação coletiva em busca das respostas às perguntas;
7 – Composição de um texto de registro dos resultados obtidos.








Interdisciplinaridade e transversalidade na educação – Prática em sala de aula I


Uma perspectiva sócio-interacionista das questões de gênero e cotidiano escolar e a abordagem de questões relativas ao temas transversais, ou seja, às questões relativas à formação ética e moral do sujeito é, provavelmente, o melhor caminho para se atingir os objetivos da educação em que acreditamos, ou seja, a viabilização desse sujeito crítico, ativo, autônomo, consciente e ético, capaz de construir sua própria história.



Sentimentos e afetos como tema transversal

Dentre os eixos propostos como principais temas transversais, estão presentes a Ética, a Pluralidade cultural, o Meio ambiente, a Saúde, a Orientação sexual e Temas locais. Esses eixos nos permitem abordar questões mais complexas na formação desse indivíduo que desejamos ajudar a formar.

A Pedagogia de projetos deve ser uma decisão coletiva e deve contar com adesão voluntária, ou seja, a partir do momento que um grupo decide trabalhar em um projeto, e de se esperar que outros profissionais optem por se envolver ou não nesse projeto.

Assista ao vídeo com o depoimento de uma diretora escolar sobre o assunto:


http://www.youtube.com/watch?v=I3TuDJecj4U

Como exemplo, avaliemos um projeto envolvendo questões de gênero que, podem ser abordadas por três enfoques diferentes: a Ética, a Orientação sexual e a Diversidade cultural. É preciso fazer, de início, uma primeira escolha, pois qualquer um desses temas permite uma aproximação bastante pertinente no que tange às questões de gênero como um todo em nossa sociedade. A escolha deve ser norteada pelo público, por faixa etária e pelo PPP da escola, dentre outros fatores.

Com adolescentes, a questão da orientação sexual está mais próxima da realidade deles, o que permite uma abordagem mais imediata. Com crianças, a abordagem pode ser mais proveitosa se tentar responder a indagações sobre quais são as questões éticas que justificam a igualdade ou a desigualdade de direitos e de obrigações de sujeitos em nossa sociedade.

É de fundamental importância saber que, sempre que se faz a opção por um eixo de discussão de qualquer tema transversal, sempre tem uma opção teórica, como sustentáculo. Para o tema das questões de gênero, as opções teóricas mais bem sucedidas tem sido a do Construcionismo Social e da Socialização de gênero. 



Construcionismo Social é uma vertente da psicologia social que estuda o nosso desempenho quando desempenhamos nossos papéis. A Socialização de gênero está vinculada à aprendizagem das relações de gênero e os papéis que aprendemos a desempenhar.

As questões de gênero estão atreladas a fatores como o sexo, ou mais precisamente, à determinante biológica masculina ou feminina do sujeito, aos significados que nós, individualmente atribuímos à essa condição definida geneticamente e, ainda, às relações de gênero, ou seja, às representações sociais definidas a partir dessa condição genética e seus efeitos como a hierarquização, dominação ou quaisquer outros.







Projetos

A ação de projetar se estabelece inicialmente através de uma ação humana consciente, de um fazer responsável. A ação é algo que nos difere dos animais e das máquinas, já que ação pressupõe intenção, planejamento etc. Os animais e as máquinas reagem. Seu comportamento está sempre condicionado a um estímulo ou a uma necessidade imediata. Para a realização de um projeto, devem ser observados alguns itens, como o estabelecimento de metas, a antecipação de uma ação que depende de quem faz. É importante perceber que um projeto envolve riscos, que são, na verdade, uma possibilidade de criação. O projeto também não depende de coação, é a projeção de um desejo interno, de quem vai realizar a ação.
Um ser humano sem projetos é um ser sem vida. Vivemos em contato constante com nossos projetos. Somos determinados por eles. Outro fator preponderante em relação ao conceito de projeto é que, está diretamente ligado ao risco: algo condenado ao sucesso ou ao fracasso não deveria ser considerado um projeto. É necessário abrir espaço para que cada um faça de um modo pessoal e criativo.

Não cabe no conceito de projeto a coação. É importante que se queira. Ninguém pode ter um projeto pelo outro, pois se isso ocorresse, seria como se um ser vivesse pelo outro. É óbvio que há projetos pessoais e projetos coletivos. É importante frisar que quem projeta deve ser quem realiza. Um projeto deve ter alguns pontos de partida e de chegada.

O sonho e a ilusão permitem a vontade primeira de um projeto. Ilusão, vem de Illudere, do Latim, e está ligado à idéia de jogo, diversão, de ludicidade. O projeto requer o desejo de se realizar. Uma pedagogia de projetos parte do princípio que o desejo de aprender deve ser estimulado para que haja o desejo para a realização desses projetos.

Um projeto tem começo, meio e fim. Para alcançar o fim de um projeto, deve-se contar com uma parte operacional: organização e avaliação. A idéia de projeto na escola pode e deve ser associada à imagem de um rio. Esse modo de pensar permite compreender que é necessário fluência para que se desenvolvam projetos. Um rio tem cabeceira, tem um corpo e tem uma foz.

A cabeceira, que pode ser associado à idéia de cama e, portanto, de sonho, de esperança etc. Essas idéias podem ser associadas a planejamento, de avaliação e de trajetórias, de percurso. Ter projetos é ter metas. E as metas estão intimamente relacionadas a valores. Há metas válidas e metas que não são aceitáveis. Algumas metas devem ser cultivadas, estimuladas, e outras que devem ser combatidas ou transformadas. Esse raciocínio está no cerne do fazer pedagógico.

Conhecimentos em rede

A transversalidade é um método de trabalho que pretende ir além das disciplinas. Para isso, utiliza-se metaforicamente da imagem da rede, tomando-a como exemplo do trabalho com o conhecimento.
A escola manteve durante muito tempo, a idéia do conhecimento como um conteúdo a ser despejado no aluno. Embora não se encontrem profissionais que professem ainda esse tipo de visão do conhecimento, é comum que se utilizem terminologias que transmitam a idéia de medida do processo de ensino-aprendizagem.

Outra postura que se iniciou com Descartes, é a idéia de cadeia, ou seja, do encadeamento de idéias, no qual um conhecimento é ligado a outro de maneira única e regular, trabalhando ponto a ponto, de maneira que a ordenação dessa cadeia não pode ser quebrada.

A rede que se pretende configurar como novo processo não abre mão do conhecimento em cadeia, porque a rede depende desse encadeamento. Entretanto, a rede permite o caminho seja percorrido de inúmeras maneiras, e não que seja visto só por um lado. A quebra no encadeamento não significa reprovação, como significaria no modelo cartesiano, mas significa a busca pela continuação da construção da rede por novos caminhos.

Nesse caso, a escola não só acrescenta conteúdos e visões de mundo, como também os requalifica, de acordo com sua proposta. É importante perceber que o modelo em rede é, na verdade, uma continuação do aprendizado que o indivíduo tem antes da escolarização, quando não aprendia de maneira encadeada, ou disciplinadora, mas de maneira ampla.

O modelo em rede pressupõe um estado de permanente atualização, porque o foco é o conhecimento que nunca acaba, mas cujos caminhos estão sempre se refazendo. Por isso, a visualização desse modelo passa por uma importante visão da história: a história que mostra a mudança de significados, ou melhor ainda, de verdades.

Temas transversais em educação

Em linhas bem gerais, pode-se definir duas concepções de transversalidade: na primeira, as disciplinas são o eixo vertebrador do currículo; na segunda, as temáticas transversais tornam-se o eixo vertebrador do currículo.

Quando as disciplinas são o eixo vertebrador do currículo, são mantidas de maneira tradicional, revelando o cuidado da escola com a disciplinas. As atividades pontuais, uma das carasterísticas desse modelo de transversalidade, levam à continuidade do modelo fragmentado de ensino. Existe nesse modelo, a possibilidade da intenvenção de profissionais exteriores trabalhando os temas transversais, o que revela o caráter “especializante” dessa concepção. O oferecimento de projetos interdisciplinares, comum a esse modelo, não favorece o diálogo entre os diferentes campos de conhecimento.
Mais um item a ser constatado nesse modelo é a idéia de que a transversalidade deve estar incorporada às disciplinas, como ser a transversalidade fosse inerente à concepção cartesiana de fragmentação. Dessa maneira, a transversalidade é tratada como currículo oculto, no qual o professor não tem controle, nem uma preparação consciente. Vale destacar que a transversalidade não é válida como modelo em que o professor fica à espera de “ganchos”, para só, então trabalhar determinados temas.

No segundo modelo de transversalidade, as temáticas transversais são o eixo vertebrador do currículo. Nessa concepção, os conteúdos tradicionais “deixam de ser a 'finalidade' da educação e passam a ser concebidos como 'meio' para se trabalhar os temas transversais”, fazendo-os ponto de partida e de chegada na formação do sujeito. Os conteúdos disciplinares giram em torno dessas temáticas que objetivam uma educação em valores. O problema dessa concepção é que o elemento fragmentador também não está ultrapassado.

Um terceiro e possível modelo, ainda não elaborado em sua totalidade, propõe uma educação através de temas transversais que utilize estratégias que vão além da compartimentalização disciplinar. Esse modelo deve se preocupar também com a retirada da escola do isolamento em que se encontra, o que pode ser conseguido com a criação de temas transversais pela escola, e não somente através da escolha de um dos temas propostos pelos PCN's.   

Os caminhos de transversalidade

Os paradigmas do conhecimento científico vêm sendo modificados ao longo do século XX, mas a escola deve se perguntar a quem essas mudanças servem, ou ainda, a quem os avanços tecnológicos possibilitados por esses paradigmas têm servido.

Existem dois itens que vêm sendo abordados como os objetivos da educação. Seriam eles a instrução, que pauta os conteúdos e disciplinas a serem abordados, e a formação ética e moral dos alunos, item que, apesar de ser citado na maioria dos projetos político-pedagógicos das escolas, vem sendo  tratado na prática, de forma subjetiva.

Esse sistema de ensino vem sendo testado pelas novas demandas modernas. A instrução torna-se problemática quando novos conteúdos são propostos, visto que esses conteúdos não são mais possíveis de serem abordados através da disciplinarização. A nova estrutura da família moderna também exige que a formação moral e ética seja dada, não mais pela família, mas pela instituição educacional por excelência: a escola.

A escola admite essas novas demandas e o modelo que orienta essa transformação para atender essa necessidade é o modelo da transversalidade. A transversalidade pede temas que atravessem todas as disciplinas, como os valores, por exemplo. Para ser considerado transversal, um tema também deve ter atrelados temáticas ético-político-sociais, que contribuam para melhorias para a sociedade.

A transversalidade não deve ser vista como um método, somente, mas como um novo foco, de caráter epistemológico. Os temas transversais são voltados para uma educação em valores, e que busca dar resposta aos problemas que a sociedade reconhece como preocupantes. Além disso, os temas transversais devem conectar a escola à vida. Por fim, devem ser temáticas que estejam abertas a novos temas e problemas sociais.

Os caminhos da interdisciplinaridade

No estudo de Edgard Morin sobre o pensamento simplificador, o autor estuda as bases no pensamento científico moderno, criadores dos paradigmas da ciência contemporânea. A partir das análises do trabalho de pensadores e cientistas como Descartes, Newton, Kant, Leibinitz, entre outros, Morin sintetiza as bases do pensamento científico contemporâneo em três princípios: a disjunção, a redução e a abstração.
A disjunção caracteriza-se pela separação dos diversos tipos de conhecimento para a aplicação de um método de estudo individualizado em cada disciplina. Esse princípio está na base da criação das disciplinas. A disjunção propõe a separação de uma realidade em várias partes, para sua melhor apreensão.
A redução, outro princípio do pensamento simplificador, estabelece a simplificação do conteúdo, trazendo a explicação de um conteúdo do ponto mais complexo ao mais simples, tomando a parte pelo todo. É uma característica perigosa do pensamento simplificador, porque permite que uma disciplina torne-se detentora do conhecimento de uma realidade que não será analisada em toda sua totalidade e complexidade.

Um exemplo muito comum de pensamento reducionista está nas explicações para a violência escolar, em que o professor se apropria de uma possível explicação, justificando com isso, situações diversas: “Ele age assim por que os pais estão se separando!” Como se não existissem casos de alunos nessa condição que não se mudaram seu padrão de comportamento.

A terceira característica é a abstração, que gerou a matematização e a formalização da ciência. A partir do momento em que as novas tecnologias permitem a virtualização do real, essa terceira característica facilita o aprendizado, possibilitando que se experiencie uma realidade sem vivê-la, mas não se pode ignorar que isso simplifica essa realidade através do afastamento entre a realidade e seu estudo.
No século XX, são criados movimentos de superação da disciplinarização. São eles:  a transdisciplinaridade, que é a abordagem de um tema que, pela sua natureza, ultrapassa a separação das disciplinas. Temáticas que exigem uma abordagem transdisciplinar são aquelas que, por sua natureza, requerem olhares para um fenômeno novo em sua totalidade, de tal forma que se vá além das disciplinas.

A multidisciplinaridade, como o próprio trás em sua raiz,  pressupõe a abordagem de vários campos do conhecimento, mas não o diálogo entre as diversas abordagens. É o caso de agrupamentos de profissionais que, olham para um mesmo fenômeno, cada um mantendo seu ponto de vista. É muito comum que escolas usem um tema gerador, como uma Copa do mundo, por exemplo, em que, cada professor desenvolve uma atividade específica segundo o prisma de sua disciplina.

A interdisciplinaridade caracteriza-se pelo estudo de um fenômeno comum a duas ou mais disciplinas e que propõe o diálogo entre as várias abordagens. Segundo o professor Nilson José Machado, a interdisciplinaridade não exige que as disciplinas mudem seus objetos, mas estabeleçam relações mais fortes entre si, já que, embora o conhecimento esteja fragmentado, a realidade não está. Pensando em análises sobre a violência escolar, por exemplo, uma abordagem interdisciplinar organizaria um diálogo entre sociólogos, psicólogos e pedagogos, para juntos, tentarem compreender as causas do problema.

As revoluções educacionais

A história da escola contemporânea se inicia, segundo José Esteve[1], com a primeira revolução educacional, datada de 2500 anos atrás, no Egito. Essa escola se destinava aos filhos da aristocracia egípcia e seu modelo perdurou por cerca de 2300 anos. Sua configuração era de um professor, chamado também de preceptor, para um aluno. Essa educação individualizada, não permitia a inclusão de um grande número de alunos, ou seja, era uma educação para poucos.

A segunda revolução educacional data do século XVIII no período de consolidação dos Estados Nacionais. Essa consolidação precisou estabelecer-se em todos os âmbitos possíveis, e a educação também foi pensada seguindo novos parâmetros. O marco legal dessa revolução foi dado pelo Rei Frederico Guilherme II, da Prússia, que, através de um decreto determinou que a educação deveria ser pública e de responsabilidade do Estado e, com isso, consolidou o processo de laicização da educação.
           
A configuração dessa segunda revolução, que permanece nos dias atuais, era de um professor para vários alunos, em um espaço não mais individual. O espaço no qual se dava o processo de ensino-aprendizagem era a sala de aula. O professor ficava em um espaço reservado, o que evidenciava sua diferenciação, e tinha o papel de transmissor de conhecimento. Era um profissional que tinha acesso aos poucos e caros livros existentes.

Apesar de permitir um aumento no número de alunos, essa configuração não alcançava a toda a população. A homogeneização no processo educacional já era uma prerrogativa na possibilidade de um aluno frequentar a escola: os alunos eram excluídos de acordo com o gênero (só eram permitidos meninos) e de acordo com a classe social (em uma economia agrária, não era permitido, ou necessário, o acesso à educação para todos). Além disso, era legítimo que o professor excluísse o aluno que, por algum motivo, se diferenciasse dos demais dentro de processo de ensino-aprendizagem.


A terceira revolução educacional inicia-se na Europa no começo do século XX, com a universalização do ensino. No Brasil, a universalização vem acontecendo nos últimos 20 ou 30 anos. Esse processo acontece por uma necessidade sócio-econômica: em uma sociedade majoritariamente urbana, o acesso a educação faz-se fundamental para o desenvolvimento dos meios de produção.

A universalização da educação propõe a inclusão das diferenças: essa configuração não deve excluir os alunos, seja por motivos sócio-econômicos, seja por questões educacionais. A escola é lugar de todos, com todas as diferenças que lhe são inerentes.

Os desafios desse novo modelo são impositivos no sentido de atender a essa nova configuração, na qual se prevê que a educação deve aliar acessibilidade, equidade e qualidade de ensino. Torna-se imperativo abandonar a configuração da escola pensada para dez por cento da população para que se possa pensar em um modelo que abarque a universalização do ensino. A configuração pensada nos séculos anteriores não dá conta das novas exigências no campo da educação.




[1]    ESTEVE, José M. A terceira revolução educacional, Ed, Moderna, 2004.