Apesar de soar como um tema novo, “a educação para a virtude” ou a educação de valores está presente em nosso cotidiano desde a Grécia antiga. Aristóteles, n’A Política, diz que “Os homens tornam-se bons e virtuosos de acordo com três fatores, e estes são a natureza, o hábito e a razão.” Entendamos aqui a natureza como o caráter de cada um, sua ‘natureza’, por hábito, entendamos a disposição para fazer sempre, ou simplesmente o modo de vida de cada um. Por razão entenda-se o Logos, ou a racionalidade.
“Por isso é necessário preparar-lhes a formação e o cultivo dosa hábitos”. E para concluir, diz que “ao legislador incumbe, sobretudo, o cuidado da educação...”.
Uma sociedade democrática forma cidadãos democráticos, enquanto que uma educação democrática habilita os cidadãos para aperfeiçoar essa democracia. Aristóteles não é o único a se debruçar sobre o tema na Grécia antiga. Poetas, tragédias e filósofos se dedicaram ao tema.
Um guerreiro grego antigo tinha sua excelência técnica e sua ‘virtude’ herdadas, ou dos pais ou dos deuses. Não se concebia que um guerreiro pudesse aprender a arte da guerra. Assim se dava também com relação aos valores morais, nos tempos de Homero, que eram herdados pela nobreza do sangue ou por vocação doada pelos deuses. A idéia de que a educação pode formar um cidadão só ganha relevância com o advento da democracia, quando a Polis deixa de ser Aristocrática e passa a ser democrática.
É possível traçar um paralelo com a educação no Brasil, pois até quando, mesmo em São Paulo, que é um grande pólo financeiro, menos de 15% da população tinha acesso à 5 série, não se debatia a educação para valores. Essa possibilidade de se educar para a cidadania e democracia só ganha relevância quando se universaliza o direito à educação.
Sócrates, por sua vez, aparece em diversos diálogos, reagindo com certo ceticismo à proposta dos sofistas, que diziam ensinar as virtudes. Isso poderia nos levar a concluir que Sócrates não acreditava na possibilidade do ensino da virtude e dos valores. No entanto, o professor José Sergio Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, nos mostra um trecho da Apologia de Sócrates, texto de defesa, por ele proferido em seu julgamento, em que o acusavam de corromper a juventude. Sócrates afirma, justificando ter trabalhado incessantemente sem acumular bens, “dirigindo-me sem cessar a cada um em particular, como um pai ou um irmão mais velho,
para persuadir a cuidar da virtude”.
Em outro trecho do mesmo texto, Sócrates interroga Cálias, perguntando-se quem seria o treinador mais indicado para aprimorar as qualidades adequadas a um filho: –“Quem é mestre nas qualidades de homem e de cidadão? (...)Quem é, tomei eu, de onde é? Quanto cobra?” Ao qual o interrogado responde: - “É Eveno, ó Sócrates, de Paros, respondeu ele, por cinco minas.” Sócrates então, se diz “com inveja desse Eveno, se é que é senhor dessa arte e leciona a tão bom preço”. Com sua famosa e requintadíssima ironia, Sócrates questiona o valor cobrado, sugerindo que, um trabalho tão nobre não teria preço ou deveria ser destinado a todos...
Em seguida, o professor José Sergio traz um recorte de uma fala de Protágoras, adversário de Sócrates, em que ele afirma que toda a sociedade conjuga “esforços para que o menino se desenvolva da melhor maneira possível. Toda palavra, todo ato lhes enseja ensinar o que é justo, o que é honesto e o que é vergonhoso... (...). Depois o enviam para a escola e recomendam aos professores que cuidem com mais rigor dos costumes do menino do que do aprendizado das letras e da cítara.”
Desses trechos podemos compreender que o ensino da ética é dever comum a todos que trabalham na escola. E acrescenta, exemplificando com as ‘especialidades’ ou disciplinas curriculares que “... quando o aluno começa a ler e começa a compreender o que está escrito... dão-lhe a ler obras de bons poetas... prenhe de conceitos morais...” e segue dando exemplo dos “professores de cítara: envidam esforços para deixar temperantes os meninos e desviá-los da prática de ações más”.
A partir desses fragmentos podemos retirar uma grande lição, muito útil nos dias atuais, pois para Protágoras, o ensino da ética não se desvincula do ensino dos conteúdos curriculares, posto que é pela prática não discursiva que o professor ensina ética. Não se ensina alguém a gostar de música dizendo: goste de música.
Quem quer que o outro desfrute de uma boa música deve mostrar músicas de boa qualidade e deixar que o outro sinta o prazer da fruição artística. Ou seja, não adianta dizer ao aluno: sejam éticos. É necessário dar-lhes exemplos. Mostrar a ética na práxis.
E esse ensinamento nos chega com força máxima por Aristóteles, em sua Ética a Nicômano, quando afirma que “a ética provém do hábito”, ou quando diz que “realizando ações justas ou sábias ou fortes tornamo-nos sábios, justos ou fortes”. Ou seja, se quisermos “ensinar” solidariedade, não é possível fazê-lo afirmando a definição de solidariedade, é preciso dar exemplos, e principalmente, é preciso cobrar dos mesmos que ajam, que pratiquem a solidariedade.
Por fim, o professor busca em Pe. Antônio Vieira sua referência final para o tema. No Sermão da Sexagésima reflete sobre a teoria e a prática afirmando: “Reparai: (...) entre o semeador e o que semeia há muita diferença: (...) o semeador e o pregador é o nome; o que semeia e o que prega é a ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador.” “Hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras” e concluindo: “Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras”.
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